quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Resgate

Por Noeli
1980. Eu tinha treze anos, ia começar a 7ª série do ensino fundamental e resolvi ir para uma escola mais próxima à minha casa. Na época, eu era filha de pais separados e vivia meus infernos particulares, fantasmas que ainda hoje vêm me assombrar em sonhos e em alguns casos, limitar meus relacionamentos a contatos superficiais. Idade difícil, cabelão armado, pernas finas, eu era a mais esquisita das criaturas. Acho que as meninas nessa idade se sentem meio assim, com exceção daquelas que nascem, vivem e morrem parecendo bonecas, cabelos perfeitos, rostinhos corados, etc., etc., o que não era o meu caso. Por que eu estou falando nisso? Acho que é para acentuar a importância de uma amiga em nossa vida.
Conheci a Rose naquele ano, na sala de aula. Para mim, a Meire. Ela não gosta, mas no meu coração esse é o seu nome. Ela foi a primeira pessoa a falar comigo e me trazer para a turma de amigos. Me levou para treinar voleibol no Fioravante, apesar de eu ser péssima na quadra, me levou a primeira vez ao Recreativo, balada da época, me arrumou o primeiro emprego e o segundo também. Me apresentou ao primeiro motoqueiro, me ensinou a fumar, a lixar as unhas para deixá-las redondinhas, a gostar da Antena Um FM, de violão (ela tocava e cantava), a gostar de interior... Na época minha mãe dizia que parecia que nós nascemos grudadas, mas a nossa amizade era minha referência porque ela era bonita, inteligente, carismática. A risada dela é inesquecível, o jeitinho de falar...
A vida foi passando e nos afastou. Em mim ficou saudades e a sementinha do reencontro. Parece que estou falando de amor, mas a amizade é isso, amor platônico não romântico, é a admiração, respeito, carinho, tudo misturado, um sentimento que deixa um gosto doce na boca, uma sensação de segurança e bem querer.
Passaram-se mais de vinte anos. Eu que não sou muito fã de internet, fiz um Orkut para procurá-la.  Achei. Em agosto desse ano finalmente aconteceu o reencontro e adivinhem... ela está igualzinha, igualzinha, até a risada! E mais: trouxe junto o primo dela e nosso amigão da época, o Evanil. Festa completa, foi igual a noite de Natal, os melhores presentes, a alegria, o carinho, as lembranças, o papo atrasado, as histórias.
Em setembro estive em São Paulo no apartamento dela. Tratamento de hotel 5 estrelas, conversamos muito, bebemos, rimos, passeamos. As noites foram longas, quanta coisa para falar, quanto assunto para por em dia, quantas lembranças.  Ela definiu nosso encontro corretamente: RESGATE. Resgatamos a adolescência da alma, o dom de estar feliz e se sentir o mais perfeito ser do universo. Prerrogativa da nossa idade: adolescentes maduras.
Meire, sei que você vai entender se eu falar que a nossa amizade é igual a SOFT MACHINE. Estou ansiosa pelo próximo encontro. Outubro, não é amiga?

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Barraco entre vizinhos

Por Samaya



A Noeli e eu fizemos uma coisa notável, que pouquíssimas pessoas têm coragem de fazer: trocamos nossa vida em São Paulo para morarmos em uma cidade pequena... Aliás, para morar em Schroeder. Cidadezinha simpática essa! Logo que cheguei lá eu sempre me recordava de um poema, chamado “Cidadezinha Qualquer” de Carlos Drummond de Andrade... Quando eu dizia isso pra Noeli ela fazia cara feia, mas assim fomos aprendendo a viver em meio a coisas bizarras e jamais vistas de perto antes, tais como sapos, aranhas, cobras, bois e vacas (ainda bem que não tem baratas, né Mayra?)

“Assucedeu-se” que, por irremediavelmente sermos as duas novas peruas do pedaço, as vizinhas não iam lá muito com a nossa cara, e como passávamos pouquíssimo tempo em casa, inventaram prostituição e amantes que nos sustentavam (pensando bem... bom se fosse verdade hein?).

Logo que nos mudamos tomamos conhecimento de uns vizinhos que, conhecidos por sua riqueza e poder, eram temidos por todos ali daquele bairro. Esses tais vizinhos moram bem em frente à casa em que morávamos juntas, e a esposa do dono da casa sempre teve fama de brigona e autoritária.

Conosco morava uma simpática cadela dálmata, de nome Albina que era extremamente espoleta e...  extremamente surda! Ninguém segurava aquela cachorra, e como não estávamos ali o tempo todo para monitorar ela acabava escapando para as casas vizinhas, e uma dessas casas era exatamente a da poderosa já citada, que criava galos e galinhas, daqueles super chiques, sabe? Aqueles que parecem que andam de calças?

Ela, como era de se esperar, não gostou nadinha das visitas que nossa querida Albina lhe dedicava, assim como a Noeli não gostava nem um pouco das visitas dedicadas ao nosso quintal, feitas pelos galos e galinhas chiquérrimos da vizinha: “O quêêê? Essa vizinha tá reclamando da Albina? Deixa aquelas galinhas virem aqui em casa!Vou fazer uma Galinhada, uma Ga-li-nha-da!!!”

Um belo dia, a Noeli estava no banho e eu estava no quintal, a brigona veio até a frente da nossa casa para reclamar da Albina (e sobrou pra quem escutar? Pra mim, né?). Mas não fiz nada além de entrar em casa e deixá-la falando sozinha.

Nunca me esqueço de que, naquela mesma tarde, depois da briga eu estava ali ao lado da casa deles e pude ver de longe a nossa querida cadela Albina, saindo de dentro do quintal deles, com um pato morto na boca. Feliz da vida... Deu um barraco daqueles...

Essa é uma das histórias de como nos adaptamos tão bem à nossa vida campestre. Hoje a poderosa brigona “Sandra” é muito amiga nossa, até perdoou o fato de que no final do ano passado minha outra cadela, a Soraia, foi lá no quintal dela e matou todas as galinhas d’angola que ela tinha comprado, mas essa já é outra história.

Resolvemos tudo com umas caixas de cerveja.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Um sonho de carro

Por Noeli

Essa semana, dirigindo por uma avenida de Itajaí, me lembrei de São Paulo, as concessionárias luxuosíssimas, carros maravilhosos. Em 1996, eu trabalhava em Moema e passei em frente uma vitrine que exibia um Porsche amarelo. Meu sonho de carro. Na época eu tinha um Fusca 72. Amarelo. Sonhei dias com aquele Porsche, pode parecer frustrante, mas eu ainda me permitia sonhos grandiosos.

Meus pais nunca tiveram um automóvel enquanto eu morava com eles e, honestamente, o sonho de todos na minha adolescência era ter um carro, qualquer carro. Quando um amigo aparecia com uma velharia, era uma alegria, não tínhamos que voltar caminhando da noitada no Clube Recreativo de Guarulhos. Com quantas caronas pudemos contar, eu, a Wi Cabral, a Lucky, a Fátima Albuquerque, entre outros da turma.

Carros inesquecíveis para mim são,  por ordem de importância:

1° o Fusca do Marconi, cujo assoalho tinha um buraco enorme atrás , e a cada poça d’água molhávamos os pés, as pernas ou quase tudo dependendo do tamanho da poça;

2° a TL do pai do Paulinho, antiga e linda;

3° o Fiat 147 do Edson, que não tinha revestimento nas portas e meu pai apelidou de Caveira, porque mostrava o “esqueleto” da porta;

4° meu Fusca 72 cujo marcador de gasolina não funcionava, quebrou o facão traseiro no meio da Marginal Tietê, desengatava regularmente o cabo do acelerador e sempre me deixava na mão.

Mas pior mesmo é a história que o amigo Giovani  nos contou: um senhor, seu vizinho sonhava com um carro, desses do tipo Off Road bem grande e levou anos economizando para comprar. Quando recebeu a aposentadoria, finalmente conseguiu realizar o sonho, comprou o tal carro. Vendeu depois de 3 meses porque sua esposa estava muito velhinha e não conseguia subir no assento.

A única pessoa que dificilmente vai realizar seu sonho é a Samaya. Ela um dia disse que queria um Philco Hitachi, mas acho que ao contrário da Mitsubishi, eles não fabricam carros.

sábado, 6 de agosto de 2011

Joana

Por Lucki




Joana é uma criatura doce. Doce e confusa. Pau pra toda obra, amiga de verdade, daquelas que te vê na confusão e já chega quebrando todo mundo, depois ela pergunta o que aconteceu. Como ela ia entrar no trabalho mais tarde naquele dia, resolveu passar no centro de Guarulhos para ver vitrines. De repente ela se lembra de ligar para a amiga Margaret, pra ver como estão as coisas. Segue o diálogo:

“Por favor, a Margaret?”

(Voz de homem estranha):”Desculpe mas você não sabe que a Margret faleceu?”

“Como assim, faleceu! Quando foi isso?”

“Por volta de seis meses!”

Neste momento Joana começa a chorar ao telefone:

“Como assim? A minha amiga! Será que a Lucky já sabe? Mas ela morreu de quê?

“Ela tinha alguns problemas por causa da idade, coração fraco, lutou muito, mas não teve jeito.”

A esta altura várias pessoas já cercavam a Joana, preocupados com aquele chororô todo, oferecendo água, sentando ela na calçada.

De repente, Joana se lembra que trabalhou com uma senhorinha, muito idosa, que havia falecido mesmo e percebe a confusão.

Agradece apressada o homem da voz estranha, desliga o telefone e surpreendendo as pessoas preocupadas ao seu redor, levanta a cabeça como se nada tivesse acontecido e... se mata de tanto dar gargalhadas, deixando todos ao redor atônitos, sem saber o que tinha acontecido. Saiu feliz por saber que sua amiga Margaret estava bem viva


sábado, 30 de julho de 2011

Cebola

Por Noeli

 Eu presto só um pouco de atenção às novas teorias sobre o politicamente correto, o socialmente correto, questões como racismo, preconceito, bulling, etc. Digo só um pouco porque acredito que o caráter é intrínseco e não tem associação com imagem, que é a base da sociedade atual. Hoje todo o mundo quer ser visto como socialmente correto, então recicla o lixo, ecomomiza  a água, utiliza denominações raciais corretas, porém, a grande maioria é hipócrita. A maior parte é feita para mostrar à sociedade e não como padrão pessoal. Entre nós, família, e entre os amigos continuamos nos tratando com o carinho de sempre. O André é o Negão, o Adê é o Gaúcho (isso vem sempre acompanhado de um UUUUH!) e o Edson é o Baixinho ou Alemão. Sempre brincamos com as características físicas de cada um e, lembro-me que quando éramos mais jovens, quase todos os amigos tinham apelidos meio engraçados e isso era muito mais diversão do que ofensa. O japonês da quitanda, alguém se lembra do nome dele? Era só Japonês. E a Baiana? E nosso primo, o Negão? E o Português, o Turco, a Paçoca, a Bananinha, o Branca de Neve, o Dentinho, a Rita louca, o Calango, o Cabeção, o Jatobá, o Tarzan, alguém sabe o nome?
Só ouvi contar de uma vez que o apelido não teve boa acolhida. Foi mais ou menos assim: a Wi saía sempre com uma turma de amigos e numa de suas festas, estava com eles uma menina que nem chegaram a apresentar , mas a mencionaram como “Cebola”. Passados alguns dias, a Wi voltava a pé do centro e viu na sua frente a garota. Como o caminho era meio longo, pensou em chamá-la para ter companhia, e teve que gritar porque a menina estava um pouco mais adiante. Então começou: “Cebola! Ceboooolaaaa!”, e a menina nem olhava para trás. Apertou o passo e continuou: “Cebola, Cebola...”, e nada! Chegou bem perto, tocou no ombro dela e disse: “Poxa, Cebola, tô te chamando faz um tempão, você não ouviu?” E a menina (se me permitem o trocadilho) roxa:
“Cebola é a tua mãe!”
Acho que isso foi bulling. Mas foi sem querer.

domingo, 24 de julho de 2011

A Exorcista

Por Noeli



Dona Pepé era uma senhora portuguesa que morava na nossa rua. Ela tinha 3 filhos e eles vivam num padrão bem melhor que o nosso. O marido dela, corretor de imóveis, quase não se via, mas Dona Pepé levava a casa com mão de ferro, educava os filhos, cuidava das contas... Isso tudo com muita calma, delicadeza e um forte sotaque lusitano. Era uma vizinha exemplar, não se dava ao luxo de perder tempo com conversas no portão, nem com visitas aos vizinhos. E religiosa, católica apostólica devotíssima, não perdia uma missa.

Dona Pepé também era empreendedora, nos fundos do terreno de sua casa, construiu mais umas três casinhas de aluguel. Seus inquilinos eram gente direita, pagavam o aluguel em dia e não causavam problemas.

Um dia, uma das casinhas vagou e ela alugou a um casal sem filhos. Eram bem tranquilos, mas a primeira briga dava para ouvir da rua. Dona Pepé ficou preocupada, sentou-se com a inquilina e a aconselhou. Conversa de mulher. E a mulher, muito assustada contou a ela que seu marido incorporava o demônio, e quando isso acontecia, nem quatro homens fortes podiam com ele, a transformação era aterrorizante. Essa conversa acabou ficando conhecida, se espalhou pela vizinhança e o tal homem ficou temido. Quanto mais tempo passava, mais ele tinha as crises e mais medo todos tinham dele. A cada vez, ele espancava a esposa, quebrava tudo dentro de casa, e quando não restou nada, ele começou a destruir a casa.

Dona Pepé não gostou e avisou o casal. Não adiantou. Mais uma crise e ela recorreu à policia, que chegou muito tempo depois e não resolveu nada. Mas que raios, era a casa dela!

A crise seguinte surpreendeu, a gritaria e barulheira chamou a atenção dos vizinhos e fomos todos muito curiosos apreciar o demônio incorporado. O homem rosnava e jogava coisas contra a parede e para todos os lados. A mulher dele gritava. Os vizinhos se amontoavam na frente da casa para ver o espetáculo. Até que uma das coisas que ele atirou acertou a janela da casa da frente, que era bem onde a Dona Pepé morava. Lembro-me como se fosse hoje, ela muito brava, com um pedaço de pau na mão achado nem sei onde, com o sotaque carregadíssimo dizendo ”Estais com o demônio? Então vamos exorcisar!” e baixou-lhe o cacete. Ele tentou reagir, mas só até a segunda paulada. Na quarta ele já implorava “Pára dona Pepé, pára...”. Depois de vários golpes ela parou, e exigiu que eles se mudassem na mesma semana.

 Nunca mais aconteceu nada de sobrenatural naquela casa.

sábado, 9 de julho de 2011

Coisa de criança

Todo mundo tem uma vizinha fofoqueira. Ah, você não tem? Então a fofoqueira deve ser você. Algumas vezes essas vizinhas acabam provando do próprio veneno. Eu me lembro de uma ocasião dessas. Tínhamos uma vizinha que morava em frente à nossa casa. Ela falava da vida de todo mundo, sabia de todos os acontecimentos (principalmente das desgraças alheias) e compartilhava com a vizinhança inteira.
As jovens que moravam ali eram criticadas e,  com exceção  da própria filha, todas eram assanhadas, tinham suspeita de gravidez, suspeita de casos com homens comprometidos e a boataria corria solta.
Nós, em plena idade da baixíssima auto estima, descobrindo que o mundo não era assim a maravilha que os filmes americanos prometiam, odiávamos ela. Em silêncio.
Na época, eu tinha uns 23 anos, a Lú 21 e a Samaya 4, e tínhamos uma cachorrinha chamada Luana. Certo dia, a vizinha muito faceira nos disse que receberia a visita de sua comadre e que gostaria de nos mostrar sua afilhadinha. Muito a contra gosto concordamos. Quando chegou a visita, ela nos chamou e apresentou:
-Essa é Luana, minha afilhadinha.- Ela estava muito orgulhosa de tão lindo bebê.
Naquele momento, entre os “que linda!”, “que fofura” absolutamente falsos, a Samaya pergunta bem alto:
-Nossa! Por que puseram nome de cachorro nela?
O resto você pode imaginar. A nossa felicidade também.
Criança é fogo.